segunda-feira, 7 de março de 2016

OUTRA PAUSA

     O post sobre teatro é feito desta vez apenas no blog DIAS SINGULARES com uma amostra de fotografias e dois vídeos (The Miser / O Avarento, de Molière e Filthy Acts / Actos I(n)mundos, fragmentos de cinco tragédias de Shakespeare). 
     Esta outra pausa é preenchida com as cinco partes do poema Identidade: O Tempo – Matriz da Vida; O Fogo – Energia e Luz; O Ar – Transparência e Verdade; A Terra – Semente e Alimento; A Água – Viagem, demanda e descoberta.

IDENTIDADE

I – O TEMPO
Matriz da Vida

Venho dos confins do Princípio
Do Princípio do Sonho
E ainda não parei de chegar
Se alguém me sonhou, me quis tal como sou,
Não sei. Em mim transporto todos aqueles
Que um dia sonharam alguém
Da centelha de luz à célula palpitante
Partículas de realidade pura
Corro-te por dentro das veias do corpo e da alma
Debruço-me na janela única do teu olhar
Em todas as janelas únicas de todos os olhares
Chamam-me Alfa e Omega de Todas as Coisas
Mas na verdade, nada de meu possuo
Excepto a minha natureza serena e indomável
E o meu caminho in-contível e infindável
Sou o mar imenso em que te banhas
Ninguém me pode medir ou parar.

De tudo imprimo na água e na areia do meu corpo
Pegadas indeléveis e amadas
Esboços feitos de raios de sol e luar
Preenchidos com o amor infinito e igual
Que tenho pelo efémero e pelo eterno
Sou o escultor de todos os mundos
O mistério que ficará por revelar.

Vi o primeiro brilho no teu olhar inicial
Escutei o teu coração atento e terno
Brinquei contigo quando ainda mal davas por mim
Desde então, nunca larguei a tua mão
Sou o teu cajado de pastor paciente
O teu cordeiro, o teu lobo, a tua serra
O teu horizonte aquém e além de todos os horizontes
Cantei contigo todas as canções que já esqueceste
Canto contigo as que ainda hás-de inventar
Respiro com a minha própria alma os teus dias infindáveis
Brilho e desfaço-me em pó nas asas da borboleta
Que esvoaça e dança em redor dos teus pensamentos
Da minha velhice eterna brota a tua teimosa juventude.

Continuemos a caminhada
Com a tranquila leveza das brisas de Verão…

São Ludovino, 19/1/2016

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II - O FOGO
Energia e Luz

Venho dos confins do Tempo
Lá do fundo do Abismo primeiro
Tenho um leito no centro da Terra
Outro nos braços serenos do Sol
Uma casa na tua casa
Um refúgio na centelha da Rosa de Luz
Um oceano nos olhos das aves
Um barco alado no coração das nuvens
Uma voz na boca dos vulcões
Uma fonte colorida nas raízes do arco-íris
Tenho tanto em tantos lugares.

Perco-me e encontro-me em toda a parte
Estrela nascida e renascida
Labareda dançante
Pirilampo vagabundo
Invisível, caminho por entre as multidões
Visível, ofusco o olhar e alimento os famintos
Sou farol sempre iluminado em cada imenso mar.

Cansado, abrigo-me para repousar
Na tranquilidade da tua lareira
No bruxulear da vela inextinguível e perfumada
Que te faz sorrir cada átomo do ser
E voar no íntimo das coisas com asas de sol e luar.

Sais lá para fora
E eu pareço adormecer
O Sol chama-te e tu vais.
Lá fora acordo
Gigante benfazejo preenchendo o arco azul do céu
Acordo-te
Com o brilho de um novo dia
Tão novo que parece sempre o primeiro.
Dias a fio recebes as dádivas do céu e da terra
Teces paciente o manto de luz
Com que te cobres e nele te desvaneces.

Sorri, sorri enquanto me olhas
E me vês transfigurado em todas as coisas
Sou matéria prima e pura no fluir dos sonhos
Não me apago nem parto
Reparto-me, cintilo, perduro.

Sorri, sorri enquanto me olhas
Enquanto me olho reflectido no teu olhar
Vivo no sossego criador das tuas mãos
Refeito de toda a fadiga de ser sem fim
Sento-me a teu lado
Emergem do fundo de mim fagulhas felizes
Que fazem sorrir a escuridão da noite
Em ti me reinvento
E continuo a brilhar…

São Ludovino, 21/1/2016

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III – O AR
Transparência e Verdade

Venho dos confins do Céu e do Mar
Do azul profundo da distância
Da transparência íntima em redor
Do vento que passa, repassa, trespassa
O cume, a planura, a enseada
Flecha quieta e veloz
Que se dobra e ata em torno do coração.

Movo montanhas, movo árvores
Movo sombras e miragens
Descubro-as no horizonte límpido
Oculto-as em redomas brancas
Sou pincel de pintor livre que conhece o código das cores
E os contornos nítidos do sonho
Asas multiplicando
As asas da ave cintilante
Que se dissolve nas veredas da luz
As palavras aspiram de mim a transparência
E partem com o vento redentor
Espalhando por toda a parte
Sementes de verdade
Até onde os olhos alcançam
E para lá da paisagem fotográfica
Crescem miríades de estrelas nos arbustos silvestres.

Repouso no sono breve e leve das aves de Verão
Renasço. Em cada instante, no voo de pensamentos alados
Mudo de lugar a ténue fronteira
Em que a matéria toca o espírito
Corro com o vento suave das tardes serenas
Abro caminho ao sol nascente
Limpo a neblina, que esconde a verdade
Dos dias infindáveis, do fulgor das noites florindo
Caminho a teu lado
Enquanto respiras fundo as marés do tempo
Levas-me nos confins de ti
Levo-te comigo
Respiras-me o ser original
És o céu e o mar onde nasci…

São Ludovino, 27/1/2016

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IV - A TERRA
Semente e Alimento

Sempre estive aqui
Exactamente aqui
E exactamente ali
Esperando as revelações do Tempo
O Fogo, o Ar, a Água
O Espírito Primitivo da Criação
Imbuindo de anima-vida todas as coisas
Sou feita da matéria primeira de todas as coisas
Corre em mim a clorofila, a seiva
O carbono do diamante
O nácar da concha prodigiosa
A tua pele estremecendo.

Sempre estive aqui
É aqui o meu lugar
Aqui são todos os lugares
Não me lembro de não estar aqui
Não me lembro
Não tenho memória
Sou a memória
O arquivo em construção
Do nautilus à explosão estelar
Do sílex ao átomo sideral
Da primeira lágrima ao último riso
Do rochedo ao deserto
Do deserto ao oceano
Do oceano á ilha nascente
Da ilha submersa ao continente repartido
Da gota de água à torrente da tempestade
Da semente à raiz profunda, à flor delicada
Do primeiro passo à viagem interminável
Da pergunta original à última revelação.

O Tempo habita em mim
É ele o colector, o espeleólogo, o escritor
O arquivista, o eterno aprendiz
Em mim torna-se vida palpável
Existe, é feliz, flui.

Não precisas de me procurar
Estou aqui, sempre aqui
Em todos os lugares
Sobre mim caminhas, corres, esvoaças
Enquanto constróis a casa alada
Acendes a água da nascente
Esqueces-te do Tempo
Árvore do devir, cresces em espiral
Tens tanto para fazer em ti
Aqui, aqui e aqui
Sempre estiveste aqui…

São Ludovino, 27/1/2016

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V – A ÁGUA
Viagem, demanda e descoberta

Venho dos Confins da Sede e do Mito
Gota a gota cresci, cristalina
Viajei em mim, sem pressa
Construí pontes, barcos, ancoradouros
Desafiei os limites do finito
Da coragem, da ousadia, do cansaço
Venci, sendo vencida
Descobri e redescobri
Uni o indivisível
O éter do céu, o néctar da terra
A distância das montanhas
A intimidade da casa tranquila.

Tenho a natureza do movimento eterno
Gota de chuva, cascata, onda indomável
Clepsidra com o ritmo variável da vida
Sou viajante sem âncora
Só por me olhares tornas-te viajante também
Barco, vela, promontório, falésia, farol
Bebes-me a história completa em cada gota
Espanto-me quando te vejo ancorar entre as nuvens
Compreendo-te quando te vejo rasar as ondas
E pousar no areal dourado pelo Sol
Nasceste gaivota
Cresceste banhada pelo sol e pelo sal
Tens a natureza do retorno eterno
Encontramo-nos à beira-mar…

São Ludovino, 27/1/2016


Earth - Seeds, flowers and fruits, photography by São Ludovino - V.

Air - The unsustainable transparency of reality, photography & drawing by São Ludovino. - 13

 Air - The unsustainable transparency of reality, photography & drawing by São Ludovino. - 15

 Air - The unsustainable transparency of reality, photography & drawing by São Ludovino. - 16

 Air - The unsustainable transparency of reality, photography & drawing by São Ludovino. - 12

 Air - The unsustainable transparency of reality, photography & drawing by São Ludovino. - 8

Earth - Seeds, flowers and fruits, photography by São Ludovino - II.

Earth - Seeds, flowers and fruits, photography by São Ludovino - III.

Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

 Fire - Light and Energy, photography & drawing by São Ludovino.

Time - Life matrix, photography & drawing by São Ludovino.

 Time - Life matrix, photography & drawing by São Ludovino.

 Time - Life matrix, photography & drawing by São Ludovino.

 Time - Life matrix, photography & drawing by São Ludovino.

 Earth - Seeds, flowers and fruits, photography by São Ludovino - 18.

Water - Voyage and Metamorphosis, photography & drawing by São Ludovino. - 2

 Water - Voyage and Metamorphosis, photography & drawing by São Ludovino. - 2

 Water - Voyage and Metamorphosis, photography & drawing by São Ludovino. - 2

 Water - Voyage and Metamorphosis, photography & drawing by São Ludovino. - 2

Earth - Seeds, flowers and fruits, photography by São Ludovino - 9.