ARTES DE SER: SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO II

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO II, Shakespeare
Ensaio geral, Auditório da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa, Portugal, 21/1/2015
Intérpretes: alunos de Artes do Espectáculo, 11.º 13
Encenação: Victor Sezinando

No dia 21 de Janeiro, decorreu o ensaio geral da peça Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, no Auditório da Escola Secundária D. Pedro V. Desta vez sem interrupções ou repetições e já com a indumentária definitiva. A natural pressão causada pela estreia no dia seguinte não atrapalhou o trabalho nem causou ansiedade visível. Cada um vestiu a sua pele temporária de “ser outro” como se fosse um fato quotidiano. Um bom sinal, sem dúvida, a prova de que as personagens já se tinham tornado gente dentro de cada um.

Nunca mencionei aqui a autoria dos figurinos, que têm primado pela verosimilhança, pela riqueza e originalidade do design e pela perfeita combinação de cores e texturas. A concepção e execução do guarda-roupa deve-se ao atelier Maria Gonzaga que merece um efusivo aplauso. O Teatro é feito fundamentalmente de emoções e verdades humanas, mas as aparências também fazem parte da revelação de cada identidade, real e/ou ficcional, por múltiplos meios. Se colocássemos em linha todos aqueles intérpretes com as suas indumentárias de palco, seria possível adivinhar com alguma facilidade o papel que lhes caberia. Quando a aparência de um eu mostra tanto sobre a sua verdade pessoal e social, a aparência deixa de ser apenas máscara para se tornar revelação.

O mundo de fantasia que se ergueu sobre o palco deve-se essencialmente à visão criativa do professor / encenador Victor Sezinando. À semelhança do que já fez em peças anteriores, conciliou de modo harmonioso e apelativo aquilo que podemos considerar traços de uma época e de uma linguagem teatral clássica com toques de inesperada modernidade. Um todo despojado de pretensiosismo e com a dose certa de leveza e humor.

As performances dos actores contribuíram em muito para o efeito cómico, mas a banda sonora e a forma inesperada e criativa como algumas peripécias foram apresentadas também foram decisivas. Quem esperaria ouvir James Brown cantar “I Feel Good” numa peça de Shakespeare?! O entusiasmo ingénuo dos palhaços / saltimbancos, o modo caótico, infantil e encantado como reagem a tudo, ora confundindo a personagem com o actor ora vestindo-lhe a pele como se todos fossem apenas gente, conferiu à peça o enquadramento perfeito para a “comédia de enganos” em que o sonho e a realidade se entrelaçam e trocam de lugares. Daí resultou um efeito cómico revestido de ternura e autenticidade.

A inesperada mudança de máscara de Thisbe, figura feminina interpretada por um actor masculino (à semelhança do que acontecia na época), que passa de um registo caricatural para uma atitude de dor profunda, quando tira a peruca loura, tem um impacto fortíssimo. Thisbe só passa a chorar verdadeiramente a morte do amado (Pyramus) depois de se despojar da sua máscara. Até aí, até a própria morte do amado parecia risível. A forma premeditadamente melodramática e quase ridícula do suicídio não permitem ver a real dimensão da dor que a perda definitiva necessariamente traz. Só o retirar da máscara e a súbita e radical mudança na postura e tom de voz, nos momentos finais do interlúdio, traz a verdade ao palco. Pareceu-me, no entanto, que uma parte do público, embalado pela tónica cómica que antecede este momento, não chegou a apreender o significado profundo desta mudança. Mais uma vez se prova que todos os momentos e atitudes são relevantes, dentro e fora do palco. É preciso manter despertos até ao fim todos os sentidos e as janelas da mente bem abertas… ou alguma coisa relevante pode escapar.

Foi um prazer e uma experiência enriquecedora acompanhar mais uma vez o trabalho do encenador e destes jovens intérpretes. Depois do trabalho dedicado, veio a estreia, no dia seguinte e todos receberam os merecidos aplausos. A melhor prova de que fizeram um excelente trabalho esteve talvez no facto de ninguém se ter apercebido de que a peça tinha uma hora e meia, que passou a voar.

Midsummer Night's Dream II, Shakespeare - WIP, photography by São Ludovino.

ARTES DE SER

sexta-feira, 1 de maio de 2015

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO II

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