INUTILIDADE
Não há no mundo uma única pessoa invejável
Só inveja, uma praga daninha e vulgarContamina, enraíza-se, veste o hábito, põe a máscara
E sai por aí em passeio-caçada, chamariz armadilhado
Pinta os rostos que passam até se tornarem irreconhecíveis
Arranca-lhes de súbito os olhos, a pureza do olhar perplexo
Despe-lhes os corpos, as vidas, os seres
Rouba-lhes a verdade, os passos, a inocência
Inventa-lhes almas tenebrosas, iguais a si mesma
Só para lhes dar dentadas no espanto imaculado
Rasgar a carne, sorver o sangue
Cobrir de lama o suor do trabalho
Enfraquecer o poder dos que desprezam o poder e a matéria
Só para quebrar o espelho em que não ousa olhar-se
Sombra tóxica projecta-se com raiva venenosa
Nas centelhas de luz, na transparência do ar
E lá fica no seu êxtase de parasita de mil garras.
Não há no mundo uma única pessoa invejável
Verdadeiramente invejável
Mais cedo ou mais tarde
O mecanismo de equilíbrio do universo
Prova a inutilidade de toda a inveja
É por ser tão inútil que a inveja se enfurece
Morde raivosamente e permanece esfomeada…
Lá vem o vulto de mil nomes
Um caçador solitário, um cão-de-fila gregário
Uma horda, um povo inteiro
Braços, pernas, um corpo informe
Vagamente humano
Nele cabem todas as formas
Mas nenhuma alma
Procura por todo o lado o molde
Em que poderá encaixar e inchar
Boca purulenta que desumaniza
Pústula que rebenta e não sara
Tumor que devora e se multiplica
Não há terapia que a possa curar
Não há lição ou verdade íntima
Que lhe possa mudar a natureza
Ou refrear o ímpeto mesquinho
E para quê tanto furor, tanto fel
Tanto gume de faca afiada?
Basta que o vento mude ligeiramente o seu curso
Basta que o glaciar se desprenda do seu ninho antigo
Basta que a abelha não chegue à corola da flor
Basta que o glóbulo branco não vença a última batalha
Ou o acaso desabe sobre as feras e poupe as presas
E a vã inutilidade da inveja revela-se
Em todo o seu ridículo mortal.
Só o tempo para ser é invejável
E esse é sempre esquivo e imprevisível
Os que envelhecem aprendendo sempre
Vencem naturalmente todas as investidas da inveja
São provavelmente os únicos que tiveram nas mãos
A única coisa invejável…
Suy / São Ludovino, 23/6/1987 - 3h manhã
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