terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Palavras Antigas - XII

 CHUVA ILUMINADA

Não pára de chover nos teus passeios de domingo
― ou será que são sonhos com insónias de domingo? ―
Ninguém desiste.
É incómodo demonstrar submissão a simples gotas.
É inquietante ver a raiva nos dentes dos cães que passam,
Mas não mordem ao domingo…
Debruçado, com um copo na mão,
Sobre um candeeiro de cabeceira,
Olhando o rosto irreconhecível
Do mesmo antigo corpo de sempre
Ou sentado no pino das torres dos aeroportos italianos
É que tu estás bem aos domingos.
Vês os chacais nas colinas,
As papoilas e os miosótis cobrirem
O caminho de volta a casa.

Entardece.
Uma garota de tranças rouba tranquila e cautelosamente
Um inesperado raio de sol,
Mete-o no bolso e desaparece por trás de um arbusto.
Ficaram charcos cintilantes na auto-estrada.
Olho-os e planto-os com campos de arroz.
As estátuas húmidas numa praça de subúrbios
Oferecem pela milionésima vez
Uma perspectiva diferente neste mesmo dia:
Uma mulher semi-nua ergue numa mão um pássaro,
Mais abaixo, dois homens contemplam-na,
Apertando nas mãos o manto que lhe arrancaram.

Que confusão estonteante as bancadas vazias do anfiteatro,
Folhas vermelhas e molhadas cobrem os degraus gastos,
Abafam os ecos da memória de outros dias.
Que dolorosa confissão a do silêncio…
As varandas com vasos negros floridos.
Que silêncio nas tuas pálpebras…
Se soubesse ser infiel,
Soltava matilhas de lobos brancos nessas catedrais…

Suy / São Ludovino, 7/5/1985 – 10 h 45m noite

Close to departure, photography by São Ludovino.

Made of wings I, photography by São Ludovino.


Rainy I, photography by São Ludovino.



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