terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Textos Intermináveis - IV

     Este é provavelmente o "texto interminável" mais interminável e também o mais mutável. Para além de estar indefinidamente inacabado, pode ser alterado, acrescentado e recriado a cada momento. Este é só início das cerca de trinta páginas que já conta. 

Dicionário de Ideias Dispersas

(Definições, anti-definições, aforismos e disforismos e outras ideias desfeitas…)

A

A – (1) Pirâmide anterior às do Império Egípcio erguida na caverna de Platão, milhares de anos antes do nascimento de Platão, e replicada de diversas formas em inúmeras cavernas ao longo de milénios. (2) Taça invertida, símbolo contrário ao Graal que nega sistematicamente a possibilidade de acreditar no que quer que seja usado pelos cépticos pós-modernos. (3) Quando acompanhado de um til, é um som vago e abafado, às vezes prolongado, com os mais diversos sentidos: bocejo incontrolável; interrogação insolente; surpresa assarapantada; hesitação disfarçada; bengala fonética, sobretudo quando se repete no início, no final e ao longo dos bocejos, da caminhada e das frases. (4) Primeira habitante de Alfabetópolis, uma matriarca que teve dezenas de filhos, netos, bisnetos, trinetos e outros descendentes, todos bastante diversos dela mesma. (5) O bobo ou a vedeta da corte do rei Alfa, o beto de Cascais e / ou de Palhais.

Ábaco – (1) Oração de louvor a Baco. (2) Aglutinação da interjeição “Á!” e “Baco” usada por quem se sente atraiçoado ou embriagado sem causa evidente. (3) Erro clínico que consiste na ablação indevida do baço, frequentemente confundido com Baco.

Abnegado – (1) Negacionista das primeiras duas letras do alfabeto latino. (2) Criador de gado conhecido como Abn, algures no Abneguistão. (3) Autor de obra morigeradora sobre o hábito de se negar ou contradizer a si mesmo…

Acrimónia – (1) Prima da Amónia, da Rita e da Mónica com maus fígados e péssimo humor. (2) Excesso de retórica fermentada. (3) Vinagre resultante de sucessivas reacções químicas e anímicas entre os partidários da Clava, do Mosquete, da Chapada, da Luva de Pelica e do Molho Vinagrete. (4) Debate de ideias através de técnicas de ataque e defesa dilacerantes, deglutição de condimentos incompatíveis e lançamento de farpas acutilantes. (5) Sensação ou acto de engolir um sapo depois da sobremesa.

... only if it is good, photography by São Ludovino.

Adelo – (1) – Coleccionador de desperdícios que tem o propósito de os transformar em preciosidades e velharias respeitáveis. (2) – O que pertence a alguém por mera analogia. (3) – Peça de roupa ultra-ecológica feita com restos dos vestuário de todas as gerações desde a primeira Revolução Industrial (desde o século XVIII ao presente).

Adido – (1) Indivíduo com dedo para os negócios internacionais e olho para as viagens exploratórias. (2) – Forma aglutinada da exclamação (Ah, Dido!) proferida por Eneias quando, ao lembrar-se da sua missão no Lácio onde Roma deveria nascer, abandonou Elissa de Tiro, mais conhecida como Dido, na sua majestosa Cartago. (3) – Operação de álgebra que consiste em adir zeros em cada um dos termos de uma soma infinita.

Adivinha – (1) Aquele(a) que vinha, mas já não vem. (2) Aquele(a) que virá eventualmente em tempo incerto. (3) Aquele(a) que trata da vinha, bebe o vinho e vende a mistela. (4) Aquele(a) que vislumbra parras onde não há videiras ou latadas. (5) Charada criada por Adi, o que vem e vai, eventualmente resolvida no futuro.

Adular – (1) – Adicionar ao panegírico um adoçante ultra-doce e verborreico que é desaconselhado a gente comedida e honesta e a diabéticos. (2) – Passar suavemente a mão pelo pêlo dos chefes de estimação, dos mamíferos raros e dos decisores arbitrários. (3) – Jogo tácito ou ostensivo praticado pelos lambe-botas, pelos cães de fila, pelos fracos de carácter e pelos incompetentes de um modo geral.

Aedo – (1) Forma elíptica de “azedo” usada por falantes que têm horror às consoantes sibilantes e às Sibilas que escrevem poemas. (2) Apelido comum dos poetas na Antiga Grécia, facto que sempre dificultou a elaboração de qualquer árvore genealógica. (3) Irmão quase gémeo do Vate, que é de facto irmão gémeo do Vaticínio.

Afinal – (1) Última palavra proferida pelo Final quando se preparava para iniciar o seu discurso sobre a criação do mundo, antes de ser atingido por um raio cósmico e algo divino. (2) Semelhante ao Final, mas apenas quando olhado de soslaio. (3) Alfinete encimado por uma pérola com que outrora se picavam os críticos compulsivos.

Agora – (1) Momento exacto no local exacto da forma exacta. (2) Momento rigorosamente exacto em que o Bem e o Mal se encontraram rigorosamente no mesmo ponto do Universo que coincidentemente foi o mesmo momento e local onde o Maligno e o Benigno se separaram para todo o sempre, ou pelo menos era rigorosamente isso que eles pensavam naquele momento. (3) Unidade de tempo imprecisa usada infrutiferamente para capturar o que ainda há pouco estava à beira de ser o presente…(4) Estranha unidade de tempo impossível de segmentar que costuma passar as tardes na praça pública a perorar sobre a essência do tempo, a melhor forma de fazer pickles, a filosofia política e a política da filosofia, tudo regado com a água do fontanário e o néctar dos deuses, atentamente ouvida sobretudo pelas pedras da calçada, ela que insiste em caminhar descalça em busca de auditório, da verdade, das sandálias ou do silêncio. (5) Exacto instante em que alguém diz “era mas já não é”.

Ágora  (1) Espaço-tempo que apenas existe em si mesmo, não podendo ser deslocado, medido ou dividido; se alguém tenta efectuar alguma destas operações, normalmente some-se no acto ou dá por si deslocado, medido ou dividido. (2) Lugar ao ar livre onde o ar é de facto livre, pensa, repensa, sopra, respira e manifesta-se. (3) Lugar destinado a passeios peripatéticos mais ou menos circulares, angulares, hiperactivos, imprevisíveis ou previamente cartografados.

Aguardente – (1) – Líquido transparente designado “água de fogo” por alguns povos ameríndios, que o usavam para atear as fogueiras e inspirar novos passos na dança da chuva. (2) – Água que não provém da fonte nem de nenhuma nascente natural, mas do alambique (cf.). (3) – Água combustível. (4) – Uma das substâncias mais contrafeitas e contrabandeadas durante todas as leis secas. (5) – Substância líquida que se dissolve em todas as outras.

Ah – (1) Exclamação proferida pelos espantalhos que guardam os alfobres de alfaces dos ataques de mercenários vegetarianos. (2) Arrependimento tardio. (3) O trovador favorito do rei Alfa…

Ai – (1) Reverso da moeda “Ui” usada pelas tribos lamentosas do planeta Rara em situações de extrema aflição. (2) Na variante dupla “Ai, ai”, pode ser um engano, sinal de gaguez esporádica ou a constatação de que se chegou a um beco sem saída. (3) Na variante tripla “Ai, ai, ai”, significa que se foi pisado num calo, arrepelado por um bully, acariciado por um ouriço ou atropelado pelo Yeti. (4) Na variante quádrupla “Ai, ai, ai, ai”, é uma redundância necessária para comunicar com distraídos, ingénuos e paspalhos, (5) Na variante quíntupla “Ai, ai, ai, ai, ai”, é uma advertência usada pelos mestres fiscais quando se dirigem às crianças aprendizes de meliantes contabilistas.

– (1) Lugar incerto próximo da pirâmide da caverna de Platão ou de qualquer transeunte que passe por uma encruzilhada ou pelo ponto em que o eco de “aqui” atinge o máximo de decibéis e se confunde facilmente com “ali”. (2) Lapsus linguae cometido amiúde pelas tribos lamentosas do planeta Rara em situações de extrema aflição. (3) Por vezes, é apenas a consequência de uma divisão silábica emocional (A-Í).

Ajaezar – (1) Albardar de modo erudito. (2) Preparar o quadrúpede-mor da cavalariça para reinar entre as cavalgaduras menores. (3) Jazer quieto e sublime de modo a não pestanejar nem desgrenhar a cabeleira durante uma sessão solene da assembleia asinina. (4) Adicionar sucessivos adereços, pendericalhos, quinquilharia, fitinhas, medalhas e laçarotes ao uniforme dos guardas reais da cavalariça da Praça Vermelha. (5) O antónimo “desjaezar”, para além de significar “tirar a albarda dourada ao erudito”, tem ainda um curioso sentido figurado: Rasgar as vestes das vestais com ferraduras para criar pathos e a indignação dos devotos albardófilos, asinófilos e estupidófilos teotecnocratas dos oráculos.

Ajuizar – (1) Tirar o juízo à sorte usando palhinhas de 15 cm todas cortadas a meio ou moedas com faces idênticas. (2) Pesar o juízo numa balança de ourives usando plumas como pesos. (3) Retirar o excesso de ar ao dispéptico flatulento para que possa pensar, medir e pesar. (4) Raciocínio orientado pela bússola da sensatez. (5) Actividade racional e cognitiva supostamente partilhada por todos os seres pensantes, pensáveis e pensativos, salvo os que padecem de alguma disfunção voluntária da capacidade de separar as águas, ligar as pontas e alinhar as linhas tortas.

Alambique – (1) – Divindade dionisíaca que criou o álcool, patrono dos enólogos e barmen e sátiro nas horas livres. (2) – Aquele que lambe compulsivamente os vértices de qualquer sólido sóbrio com o intuito de os embriagar; consta que foi um percursor do Cubismo. (3) – Fontenário miraculoso que transforma a água em aguardente sem a intervenção de qualquer entidade sobrenatural.

Alarico – (1) Rico Alá das Arábias que quis estender a pequena Arábia até aos confins do mundo, investindo em espadas, dinamite, coletes explosivos, mísseis de longa distância e bombas nucleares destinadas a aniquilar todos os que não quiserem de bom grado ser Arábia e amantes do próprio Rico Alá. Frequentemente confundido com Alarico I, o Calvo, saqueador de Roma em 410 no qual morreu, e até com Alarico II, o legislador de Roma, segundo o Direito e os costumes da própria Roma (Breviário de Alarico, 506). Amado e odiado por parentes próximos e distantes como Alitua (também conhecido como Alirico) e Alagruel. (2) – Dinastia de reis germânicos frequentemente confundidos com Rico Alá, que só nasceria das miragens do deserto arábico duzentos anos depois. (3) – Cacique egotista com ambição desmedida que ama mais a guerra e a própria morte dos seus irmãos do que a vida, desde que isso lhe encha os bolsos e lhe dilate a coutada.

Alarido – (1) – Riso alado. (2) – Pesadelo hilariante que Alá teve quando descobriu que tinha sido inventado por um idiota seguido por milhões de outros idiotas. (3) – Algazarra numa noitada de anedotas. (4) – Fundador da Algazarra no Império dos Agachados. (5) – Ar comprimido pelo riso de alarves.

Alfa – (1) Primeiro rei de Alfabetópolis após a independência do Império de Babel. (2) Sábio grego que assistiu ao Big Bang e continua a mandar notícias luminosas. (3) Realizador de pelo menos uma das sequelas do Big Bang que estreará dentro de mil triliões de anos em todos os cinemas da galáxia. (4) Pequena alface que mantém uma inalterável poker face. (5) Vontade incontrolável de começar qualquer coisa continuamente, impedindo a conclusão do que quer que seja, mas enfim sempre é melhor começar do que acabar; nem uma obra prima merece ser acabada; tal sorte deveria ser reservada exclusivamente ao Ómega e aos seus sequazes sem afectar o fluxo criativo do resto do mundo.

Algazarra – (1) Algo ou alga transgénero especializado(a) em zurrar e beber zurrapa. (2) – Alguém ou alguma coisa que se desloca de asno enquanto zurra e mostra as garras. (3) – Algarismo teimoso que se recusa a participar em qualquer equação resolúvel (4) – Ser híbrido, semelhante a uma alga ou algo, que canta como uma cigarra soprano irritada sempre que a Natureza a contraria. (5) – Última cacofonia composta pelos idiotas úteis viciados em slogans e kaffirs (keffiyeh) durante os planos para uma intifada global, interrompida in extremis pelos ingénuos adormecidos que foram acordados da sua ininterrupta sesta e se sentiram muito irritados… os motivos dos ingénuos não eram válidos, mas o resultado foi… Aleluia!

Alicate – (1) Forma muito abreviada de “Ali há abacate”. (2) – Gato inglês desconhecido e de espécie desconhecida que vivia Ali. Quando se mudou para Alu, passou a chamar-se Alucate, em Além chamou-se Alémcate, no Porto chamou-se Portocate, em Faro todos os conheciam como Farocate, em Nova Iorque chamou-se Iorcate e era frequentemente confundido com o gato de alguém que não ele mesmo, em Paris foi Pariscate, em Roma foi Romacate, em Londres voltou às origens e chamou-se Londoncat, cirandou pelo mundo inteiro mudando sempre de nome, mas nunca voltou Ali nem voltou a chamar-se Alicate. (3) – Instrumento cirúrgico medieval temido por todos os pacientes e impacientes.

Alimária – (1) – Local junto ao mar onde moram Maria, Marina, Mara, Mariela, Mariquinhas e vários mariolas que passam o tempo a zurrar, a perseguir as virtuosas donzelas, a azucrinar a paciência das azémolas, a zurzir o marisco e a limar as unhas que crescem desmesuradamente por falta de labor e honesto suor. (2) – Sinal de nascença dos predestinados a viver (em) Ali Junto Ao Mar. (3) – Famosa ária composta por Alceu Alcibíades, com libreto de Alcino Alcides sobre as aventuras e desventuras de Alipanta, Aliparvo, Alimarado, Alimalvado, Alicretino, Alipatife e outros sacripantas no Reino dos Aiatolas Coscuvilhas que nunca encontraram os Nibelungos no meio da neblina . (4) – Árvore frondosa exótica cujo fruto, o limário, é consumido em grande quantidade nos cocktails. (5) – Lima gigante usada para limar as unhas dos dragões preguiçosos.Aliteração – (1) – Relógio de repetição um tanto ou quanto apressado e bastante monótono. (2) – Propensão para fazer eco, ricochete ou apaixonar-se por reflexos. (3) – Propensão para deslizar suavemente pelas linhas de um poema até encontrar uma dissonância, um ponto final ou um ponto fatal desirmanado ou inanimado. (4) – Lugar incerto onde decorre toda a acção de Ali Babá e os Quarenta Mandões, erroneamente traduzido como Ali Ter Acção, em virtude dos evidentes laços fonéticos. (5) – Avaliação da autenticidade das letras do alfabeto, não vá algum intruso querer meter o bedelho onde não é chamado e estragar a harmonia e desarmonia que concordam tão bem.

Alma – (1) Lugar, tempo ou ser imenso e indefinível. (2) Abreviação muito preguiçosa de Alcântara Mar. (3) Espírito do mar. (4) Alameda de bem-me-queres de porte semelhante ao de uma sequoia rodeada de malmequeres que deixam de ser vistos logo que se atinge o meio do caule de um bem-me-quer. (5) Ideia gigantesca que se confunde com a totalidade do Universo. (6) Brisa suave que faz mover todos os seres. (7) Aquela ou aquele que almeja chegar a todo o lado ao mesmo tempo. (8) Oásis no meio de uma multidão. (9) Altitude próxima do ponto em que o cume da montanha interior toca o infinito.

Amador – (1) – Indivíduo sem nenhum talento especial nem nenhuma competência específica que desempenha funções que mais ninguém quer fazer por ele. (2) – Masoquista desmesurado que ama a dor infinita e dá um sopapo a todos os analgésicos e anestésicos que tentam aproximar-se dele. (3) – Amor dourado ou dorido consoante o ponto de vista e a inclinação das partes implicadas.

Amargo – (1) Mar interior, situado entre Gog e Magog, nações ou monstros que vivem para devorar tudo o resto. (2) O que pretende ser um argonauta amável. (3) Comedor de limões, limas, pamplemossas, vulgarmente conhecidas como toranjas, e outros citrinos especialmente ácidos. (4) O estado de espírito do Amaro depois de ser obrigado a tragar as passas do Algarve durante cinco décadas. (5) O humor da Margarida de Dante na intimidade, segundo um rival despeitado que nunca logrou contemplar a dita menina olhos nos olhos.

Amável – (1) Aeronave secreta construída por Adão e Eva para escaparem à suposta ira divina e à obrigatoriedade humana de se vestirem com parras de videira e as peles dos seus amados cordeiros que se recusavam a matar; a bordo levaram a macieira e os cordeiros; deixaram a serpente para conversar com deus e os invejosos; deus aprendeu imenso, depois também partiu e deixou a serpente a meditar; os invejosos roeram-se de raiva e atiraram-se à serpente em vez de se atirarem ao mar, o que prova que nada aprenderam; no presente, ninguém sabe do paradeiro da serpente; há quem diga, com provas suficientes, que se multiplicou e anda por toda a parte ou pelo menos as partes onde há invejosos, esses grandes fingidores. (2) Antiga caravela com 3 velas verticais e 2 velas laterais semi-horizontais que permitem planar sobre a tormenta; inspirou a construção da Passarola de Frei Bartolomeu de Gusmão; actualmente, faz parte da brigada especial de monitorização do tráfego de meteoritos. (3) Tão fácil de amar que até custa a acreditar. (4) Aquele que gosta de velejar, especialmente se for uma criança. (5) Móvel usado para guardar as coisas mais preciosas.

Graffiti - Rua das Flores, Porto, photography by São Ludovino.

Amiúde – (1) Milho de grão muito pequeno que não pode ser usado para fazer pipocas, mas dá um excelente mimo, capaz até de mimar uma comédia inteira de Shakespeare em cinco minutos. (2) Designação comum de uma miúda ou um miúdo na ilha de “San” Miguel, Açores. (3) Equivalente à chuva “molha tolos” que encharca paulatina e alegremente os que pensam que podem escapar por entre os pingos da chuva.

Amor – (1) – Masculino de amora. (2) – Fonte inesgotável de poesia, tempestades e suspiros, raios de luz e erupções vulcânicas, que brotou inicialmente junto de Hipocrene, mas se deslocou posteriormente para lugar incerto por ser excessiva a rivalidade entre as Musas e os Musos. (3) – Ente etéreo que nasce nas almas de outros entes etéreos e até nas almas dos entes que se julgavam apenas matéria.

Amora – (1) - Feminino de amor. (2) – Corruptela de anglicismo que significa “quero mais”. (3) – Primeira rua, ou talvez viela, onde morou o Alfabeto.

Amuado – (1) Dono de uma mula branca, um mulo cinzento, outros espécimes de gado muar e uma vaca malhada, pouco dado a conversas com gente que não muge nem tuge nem sabe andar a galope. (2) Semelhante a uma mula ou mulo, mas com menos patas e neurónios. (3) Aconchegado sobre si mesmo quando o festim se torna insuportável (4) Sem pachorra para conversa fiada, conversetas, paleio e outras verborreias. (5) Trigo ou centeio moídos num moinho cansado e triste; também designa o pão feito com a farinha destes cereais quando moídos do mesmo modo; não deve confundir-se com o pão que o diabo amassou (cf. expressão abaixo no verbete “Pão”).

Animália – (1) – Arca de Noé de Amália, constituída por animais cantantes e espécies vegetais dançantes. (2) – Exposição zoológica itinerante e flutuante que percorre a selva urbana de várias cidades submersas por enxurradas de estupidez humana. (3) – Grande animação no reino animal.

Apetrecho – (1) Qualquer trecho do livro ou do filme O Planeta dos Macacos servido com aperitivos, mas sem efeitos especiais. (2) Objecto inventado por Petrus Trecus sem propósito definido, mas que habitualmente é usado para resolver puzzles com extrema rapidez. (3) Objecto procurado por coleccionadores de utilidades e inutilidades para as trocarem por outras dificilmente distinguíveis das primeiras; quando não encontram exemplares para troca, roubam-nos de museus ou antiquários, falsificam-nos, atiram-nos às paredes para obter uma transformação imediata ou dividem-nos em múltiplos fragmentos afirmando que cada fragmento é algo inteiramente novo, uma inutilidade que às vezes é lucrativa.

Ardil – (1) – Redil concebido para conter um determinado volume de ar num determinado local numa noite de lua cheia. Se houver lobos por perto, o redil deve ser duplo ou até triplo. O engenheiro que concebeu o redil de ar, ele próprio um lobo afamado, colocou sobre a entrada sem saída uma tabuleta com um aforismo célebre: “Se já entraste, já é tarde de mais”. (2) – O ar que lhe pertence exclusivamente a ele. (3) – Dispositivo usado pelos espertalhaços para apanhar moscas, vantagens, distraídos, qualquer ser de boa fé, moeda e cripto moeda de qualquer origem, gambuzinos, papalvos e qualquer espécie em vias de extinção.

Ardor – (1) – Ar que causa dor. (2) – Dor que produz ar. (3) – Ar quente usado para encher os balões quando falta o hélio.

Armilária – (1) – Mãe abstracta da esfera armilar. (2) – Verdete que cresce naturalmente nas armas e nas armadas milenares. (3) – Fábrica de ar com a pressão de mil milibares.

Artefacto (1) Arte de facto. (2) Produto do engenho de uma mente curiosa e produtiva que produz mais do que consome. (3) Um facto falsificado ou transformado em ícone ou ídolo para atrair a atenção dos ingénuos, desinformados e tresmalhados.

Atarracado (1) Cheio de tarro e algumas taras. (2) Oprimido ou esmagado por várias camadas de tarro, sobretudo nos países autocráticos e/ou paupérrimos. (3) Mais alto do que um tacho ou mais baixo do que um bidão. (4) Chapéu de abas tão largas que cobre todo o corpo excepto os pés. (5) Designação dada a um mancebo esbelto e gracioso entre os Rotundos; os Rotundos são geralmente esféricos e os Atarracados são oblongos ou cilíndricos; no feminino (atarracada), designa uma donzela que dá recados ou uma coscuvilheira que manufactura boatos, mexericos e fake news.

Atchim – (1) – Leitura fonética de “Ah sim”, comum entre os adeptos de espirros. (2) – Exclamação sonora e onomatopaica usada sobretudo para demonstrar surpresa (Ah, sim!), extremo contentamento (Ah, sim!!), para contestar uma afirmação (Ah, sim!?) ou para contra-interrogar um sabichão (Ah, sim?!). (3) – Forma fonética em pin yin da exclamação “Ah, sim!” ouvida frequentemente nas lojas chinesas.

Atilado  (1) Filho bastardo de Átila. (2) Ao lado de ti, ao teu lado ou ao lado de Átila. (3) Aquele que caminha com o til ao lado. (4) Semelhante a uma telha. (5) Desprovido de lados ou telhados ondulados ou inclinados. (6) Que se atira para qualquer lado ou direcção. (7) Chamariz usado para atrair os Tis quando abre a época de caça às inocentes ondinhas que fazem cócegas no nariz. (8) Sólido perfeitamente geométrico ligeiramente vaidoso. (9) Segundo Desastrado Janota, especialista em desastres, disfarces e joanetes, é um antónimo oblíquo de “desajeitado”; segundo o mesmo especialista, o sinónimo directo é precisamente “janota”, isto é, o Desastrado em pessoa.

Atrito (1) Fricção ocasional ou continuada entre indivíduos que pertencem a facções éticas e ideológicas opostas e incompatíveis; regra geral, o resultado é um denso nevoeiro ou uma tempestade de areia que obriga a um escrutínio rigoroso de cada gotícula de água ou cada grão de areia, de modo a destrinçar o verdadeiro busílis da questão; quando o atrito é um eufemismo contínuo, o resultado é sempre um grande número de vítimas inocentes, aquelas que se atreveram a olhar através do nevoeiro e a distinguir a verdade da mentira. (2) Detritos resultantes da fricção entre os antípodas. (3) Aquele que padece de atrite.

Avantesma (1) Lesma avantajada. (2) Lesma avant garde. (3) Lesma adivinha que adora aventar hipóteses. (4) Lesmas agrupadas às vintenas na Festa do Avante. (5) Lesmas com avental, luvas e eczemas. (6) Lesmas gigantescas que costumam aparecer inesperadamente na calada da noite ou no pino do dia em estufas de ervas aromáticas para fazer perguntas despropositadas às traças adormecidas. (7) Lugar ermo onde o vento sopra a esmo em todas as direcções. (8) Avental de alfaces que acaba sempre por ser devorado por hordas de lesmas cozinheiras alfaçófagas bastante antes da hora da ceia; como é evidente, tais ceias podem conter tudo menos alfaces. (9) Lesma atípica dotada de ventosas em vez de patas, habitualmente contratada como aspirador de pó, cotão, ferro-velho, derrames de crude, manchas solares, sardas e sinais de nascença; desde que recebeu o Prémio Nobel da Aspiração, chamam-lhe Professora Doutora Avantesma, título que a sua inata modéstia e tenra idade não lhe permitem aceitar, preferindo o epíteto mais despretensioso Avelina Aventina Temida Lesma, a Jovem Aspirante.

São Ludovino, iniciado em 29/3/2023




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