terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Palavras Novas - XVIII

Despedimento


Despedi-me, de repente, sem aviso prévio
Não deixei notas nem recados nem saudades.
Pus os calos de molho e racionei o suor do dever
Guardei umas gotas para me lembrar
Da dureza de todas as viagens
Mesmo as que não começaram ainda.
Despi o fato de todos os dias
Tantos que deixei de os contar
Ou de me importar se passam
Se vão ou voltam ou têm algo para me dar.
O meu fato antigo diz que não voltam
Que não voltará a ser novo
Que quer tanto como eu descansar
E inaugurar os seus próprios dias.
Enquanto faço o farnel e arrumo a trouxa
Faço de conta que estou a cantar.
Nem uma nota soa, mas os meus pés ouvem-me
E levam-me à porta que se abre sem um toque.
Despedi-me ou fui despedido?
Que vontade é esta que me move
E torna leve a pedra, o medo, os anos
A ânsia, a fome, a incerteza e a certeza
De uma nova caminhada?

São Ludovino, 25/5/2024

Painted Ages - Rua das Flores, Porto, photography by São Ludovino.



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